A tradição do “cinema alternativo” já existe há mais de meio século. Quando falamos de “cinema alternativo” ou “arthouse”, geralmente nos referimos a filmes dramáticos, multi-gênros ou estilizados. Esses filmes frequentemente abordam paradoxos da existência, sutilezas da psicologia e outras questões menos comuns no cinema de gênro. Muitas vezes, incluem soluções experimentais, mas não se tratam de filmes experimentais no sentido estrito da palavra. O elemento “artístico” desempenha um papel central nessas obras. Apresentamos aqui um top selecionado, explicando por que vale a pena assistir a esses filmes.
“Alice nas Cidades”
1974, Alemanha Ocidental, dir. Wim Wenders, 12+
A história acompanha um homem que, em uma viagem sem rumo, conhece Alice, uma menina que perdeu a mãe no aeroporto. Esse encontro dá um novo sentido à jornada, e juntos eles partem em busca dos parentes da garota.
Este filme incorpora muitos elementos associados ao arthouse contemporâneo: narrativa lenta e meditativa, humor sutil e fotografia em preto e branco — que se tornou um clichê do gênea nas décadas seguintes. A obra reflete sobre a poética do abandono existencial que todos enfrentam, desde uma criança até um homem envelhecendo, e sobre como, mesmo nesse contexto, as pessoas conseguem apoiar e compreender umas às outras. A cinematografia de Robbie Müller, colaborador recorrente de Wenders e Jim Jarmusch, merece destaque especial.
Curiosamente, alguns anos antes, Peter Bogdanovich lançou a tragicomédia “Lua de Papel” com um enredo semelhante. Wenders soube disso durante as filmagens de “Alice nas Cidades” e quase abandonou o projeto.
“Stalker”
1979, URSS, dir. Andrei Tarkovski, 12+
Pelas mãos de um guia chamado Stalker, um Escritor e um Professor entram em uma zona anômala em busca de um graal metafísico: uma entidade que supostamente realiza desejos. Este famoso filme, inspirado no romance “Piquenique na Estrada”, enfrentou uma produção conturbada que durou cerca de três anos.
Tarkovski reconfigurou a narrativa várias vezes, removendo muitos elementos realistas presentes no texto dos irmãos Strugatsky, substituindo-os por sua reflexão filosófica característica. Houve também conflitos com os atores, especialmente com Alexander Kaidanovsky, cujo temperamento forte combinava com o próprio diretor. Apesar das dificuldades, o resultado foi uma obra-prima atmosférica e hipnótica, ganhando o Prêmio do Júri Ecumêncio no Festival de Cannes em 1980.
“The Last Good Time”
1993, EUA, dir. Jon Jost, 18+
Uma interpretação pós-moderna de “Bonnie e Clyde”: um casal de sociopatas perdidos — homem e mulher — mergulha em caos, crimes e insanidade. Jon Jost, crítico ferrenho do capitalismo, apresenta esta história com humor negro e tons sombrios, distantes da glamourização criminosa do filme clássico.
O longa surpreende pela narrativa visual: Jost utiliza montagens e colagens que criam duas camadas narrativas — uma trama tradicional e uma representação subjetiva do mundo interior dos personagens. A atuação de atores semi-profissionais confere uma veracidade inquietante aos personagens. Este filme ganhou o Grande Prêmio no Festival de Sundance em 1993, na categoria Drama.
“Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”
2004, EUA, dir. Michel Gondry, 16+
Uma melancólica história de amor entre um homem comum (Jim Carrey) e uma mulher excêntrica de cabelos azuis (Kate Winslet). Este filme é um exemplo brilhante de como o arthouse pode ser acessível e complexo ao mesmo tempo.
É difícil falar sobre a trama sem revelar demais, mas vale dizer que a obra mistura elementos de cinema autoral e comercial. Gondry combina o drama psicológico de “O Show de Truman” com efeitos visuais dignos de filmes experimentais e narrativas complexas à la Christopher Nolan. O elenco também brilha: além de Carrey e Winslet, Kirsten Dunst e Elijah Wood trazem performances memoráveis. O filme venceu o Oscar de Melhor Roteiro Original e solidificou a carreira de Gondry.
“Rubber”
2010, França, dir. Quentin Dupieux, 18+
A trama desta comédia fantástica é simples: um pneu que ganha vida decide se vingar da humanidade por queimar seus semelhantes em aterros. Usando telecinese, ele destrói qualquer um que cruze seu caminho.
Quentin Dupieux, também conhecido como o músico Mr. Oizo, criou uma obra absurda, mas incrivelmente envolvente. Apesar de seu protagonista inusitado, “Rubber” consegue despertar empatia e até um senso de suspense digno de thrillers. Além disso, Dupieux presta homenagem ao cinema clássico, com referências ao trabalho de David Cronenberg em “Scanners”. Este filme é uma prova de que até os elementos mais absurdos podem resultar em um cinema poderoso e inesquecível.